14.11.08

Relato dos amores eternos e almas gêmeas

Ainda engatinhamos na vida. Hoje foi essa a sensação que tive: de começo, de aprendizado. A descoberta de que almas gêmeas existem me fez cair na real. Uma realidade diferente do que tinha esperado até então.
Sempre foram as dores o meu despertar. Dessa vez, acordei e vi o amor possível, o carinho eterno, a cumplicidade permitida e a simplicidade da união. Conheci hoje Salim Miguel e Eglê Malheiros. Ele, 84 anos, ela, 80.
O casal de escritores não precisa fazer muito para revelar-se almas gêmeas. Nota-se pela maneira com que se completam, como se fossem um. Para quem não conhece,Salim Miguel é libanês, veio parar em Santa Catarina com a família aos 3 anos e, depois de exilado, viveu no Rio de Janeiro. Sobre Eglê sei pouco. Sei apenas que ela sabe de sua descendência negra - embora a pele muito clara a contradiga - pelos olhos verdes e, portanto, considera-se a "liga das nações". Ela não se apega a identidades geográficas.
Encontrei os dois para uma entrevista rápida no saguão de um hotel. Na verdade, a conversa era com ele, que está lançando um livro novo. Mas, lá estava ela, a sua parte, folheando os jornais e relembrando-o de importâncias a serem ditas à jornalista.
Ele também já foi jornalista. De certa forma, ainda é. Pergunta e se interessa como os bons catadores de notícia. Não daquelas notas efêmeras esquecidas no dia seguinte, mas daqueles que montam personagens, reescrevem cenas sem a pieguice dos pretenciosos. Como bom jornalista, Salim sabe ouvir.
Completando a cena, estava eu. Projeto de jornalista, novata perto de quem muito sabe. Mas nenhum dos dois se importou com a minha inexperiência. Sorriam muito e estavam visivelmente felizes por estarem ali.
Percebi que estava em frente à uma união rara quando a vi interromper delicadamente a entrevista para lembrá-lo de coisas esquecidas. E ele agradeceu gentilmente, informando-me que ela faz o papel de ser os seus olhos.
Salim perdeu 70% da visão há alguns anos. Pensou estar perdido porque escrever era a primeira das duas únicas coisas que sabia fazer. A segunda, ler, também lhe fora roubada. Mas Eglê estava ao seu lado. Desde então, ela lê todos os dias os jornais para ele, revisa o que ele dita para o neto e o guia para onde ele quer ir. Eglê não faz isso obrigada, ela é parte dele e com ele deve ficar.
No prefácio do livro Minhas Memórias de Escritores, Cícero Sandroni escreveu sobre o casal algo que me parece traduzi-los: "Seria Salim Miguel o que é e representa sem Eglê Malheiros? Não", pois ela "se olha no espelho e se diz: há aí um outro. E este outro é Salim Miguel".
É por essas descobertas que eu amo minha profissão. Por saber que quase todos os dias encontrarei personagens como Salim e Eglê. E é isso que me faz acreditar que a ficção é fascinante, mas a vida real pode surpreender a ponto de inspirar a acreditar.

3 comentários:

workaholicarol disse...

sim... personagens da vida real nos acompanham. Vidas intensas, complexas, imperfeitas mas cheia de energia. essa história me lembrou do filme que vc me indicou e que eu amei assistir. Ensaio sobre a cegueira, que mostrou um homem que soube enxergar sua esposa depois de ficar cego e o amor incondicional dela... bom saber que isso existe fora das telas... nos dá uma certa esperança...

seniorita m. disse...

eu fico bem feliz quando vejo casais que mantém o amor, o respeito e o companheirismo - independente da idade. mas admito que esse casal me chamou a atenção, fiquei curiosa pela sua matéria. tem algum link que eu possa ler? :)

caroline p. disse...

Bom,a entrevista foi só com ele e a respeito do livro. Será publicada neste final de semana. Quando tiver o link, eu posto aqui. =)