3.3.10

uma vida para Marina - parte 3

Se alguém ainda lembrar, é a terceira parte do meu projetinho que começou há dois anos. Nunca mais tive vontade de continuar a história, mas agora me bateu uma saudade e fiz mais uma parte. Espero os comentários.
A parte 1 está aqui e a dois aqui.


Faz poucos dias que Marina comprou o presente do pai. A moça da loja embrulhou a gravata azul-marinho com listras finas brancas em um papel verde-limão. Marina franziu a testa quando recebeu o pacote. Achou cafona demais, mas não fazia parte de suas habilidades fazer pacotes de presente, então, teve que aceitar o embrulho assim mesmo. O pai não ligaria, é certo.
Ela pegou o pacote do armário e fechou a porta sem antes afagar Fred. Dar comida e recolher a sujeira dele da sacada era o máximo que ela se permitia. O cachorro herdou o descaso de Marina com André.
O pai morava a meia hora de ônibus do apartamento de Marina. Ele comprou um apartamento de dois quartos com as economias que sobraram do rombo que Beatriz causou quando se separaram. O dinheiro foi poupado durante anos para as viagens que a mulher tanto queria fazer quando ele se aposentasse. Agora, servia de abrigo a Afonso. Um desperdício, Beatriz repetia às amigas.
Marina tocou a campainha enquanto Afonso terminava de aprontar a mesa. Ele conservava o ritual de colocar os pratos, talheres e copos da maneira que Luiza, a irmã mais velha de Marina, havia ensinado. Coisa que mais nova sequer tinha vontade de fazer. Era como uma afronta à Marina, eternamente comparada a Luiza, mas ela não dizia nada e sempre elogiava os esforços do pai.
Marina entregou-lhe o presente. Não era data de nada. Era só uma coisa que ele precisava sempre no escritório de advocacia. Desde que eram crianças, Afonso recebia gravatas das filhas. Tinha de todos os tipos e cores. Mesmo assim, fingia surpresa quando terminava de rasgar os embrulhos. Sorriu e abraçou Marina, apertando-a com um certo exagero para uma ocasião tão corriqueira.
Do abraço, Afonso puxou a filha pela citura e a acomodou na cadeira do lado direito da mesa retangular. Colocou na mesa um frango de padaria. Marina não se surpreendeu com o cardápio. De todos os gostos da filha, o frango assado era o que ele mais lembrava. Senão, o único. Os dois se sentaram e cumpriram o ritual domingueiro. A conversa parecia uma entrevista. Como você está? E o trabalho? E essa tosse? Foi ao médico? Luiza está bem? Veio aqui?
Pai e filha gostavam de desfiar o peito do frango com as mãos. Lambiam os dedos e terminavam de encher os copos de refrigerante quando ainda estavam na metade. Eram iguais, Beatriz sempre dizia.
Marina sofria a solidão do pai. Enquanto ele torcia secretamente que a filha mais nova ficasse solteira sempre. Afonso fingia interesse pelas dores de Marina, mas o que ele queria mesmo era a atenção que ela lhe dispensou desde a separação. Tinham em comum a decepção, o apego ao passado, a gastrite e a gordura nas mãos.

(continua, eu acho)

5 comentários:

workaholicarol disse...

Vê se continua! hehe

workaholicarol disse...

bem amelie poulain esse trecho do frango assado, rs

seniorita m. disse...

de parte em parte a gente fica sabendo um pouco mais da marina, quero saber do fim ou de como tudo segue adiante. :)
deixei mensagem pra ti no orkut, nem sei se viu.

caroline p. disse...

não tinha visto, seniorita m., mas valeu por tirar a dúvida

seniorita m. disse...

mandei como mensagem e não como scrap, talvez por isso não tenha visto.